Público - 22
Nov 06
Falta de consequências fragilizou sistema de
avaliação do ensino superior português
Isabel Leiria
Independência limitada, inconsistência dos
relatórios, ineficiência da estrutura, são outras
falhas apontadas por organismo europeu
Ao longo de dez anos, o Conselho Nacional de
Avaliação do Ensino Superior (Cnaves) levou a cabo a
apreciação de mais de 1500 cursos de instituições
públicas e privadas e produziu outros tantos
relatórios. Um dos grandes problemas, nota a Rede
Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino
Superior - Enqa, é que muitas vezes não se tiraram
consequências do processo e não houve um
acompanhamento dos resultados da avaliação.
Tanto assim que nunca nenhum Governo fez uso das
sanções previstas, como a redução ou suspensão do
financiamento público, no caso de avaliações
negativas sucessivas ou não cumprimento das
recomendações por parte das instituições.
O mais intrigante, sublinham os peritos da Enqa
incumbidos de fazer uma avaliação do trabalho do
Cnaves e propor recomendações para a criação de um
organismo substituto - a já anunciada Agência
Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino
Superior -, é que nem sequer houve consequências
para as instituições que "pura e simplesmente
recusaram submeter os seus cursos a avaliação ".
"Ao contrário do Ministério [da Ciência e Ensino
Superior], o Cnaves não tinha poderes para forçar
essa participação. No entanto, informava o
ministério regularmente", lê-se no relatório
Garantia de Qualidade do Ensino Superior em
Portugal, que é hoje apresentado no Centro Cultural
de Belém, em Lisboa.
O estudo faz parte da avaliação internacional do
sistema de ensino superior português encomendado no
ano passado pelo ministro Mariano Gago a
instituições como a Enqa ou a OCDE.
"Passividade dos governos"
E aponta várias responsabilidades para aquele que
considera ser um dos principais pontos fracos do
sistema de avaliação português. "A passividade dos
governos explica em grande parte a falta de
acompanhamento das avaliações. Tal como a falta de
empenho por parte das instituições de ensino
superior." Por outro lado, acrescenta, "as visitas
às instituições para saber que medidas tinham sido
tomadas em resposta aos relatórios de avaliação
podiam ter sido conduzidas pelo próprio Cnaves".
Para os peritos da Enqa, o facto de os relatórios de
avaliação externa dos cursos "serem muitas vezes
escritos de forma vaga, sem conclusões e
recomendações claras tornou ainda mais difícil a
possibilidade de acompanhamento".
A título comparativo, a Enqa recorda o que se passou
na Holanda, país que serviu de modelo ao sistema de
avaliação concretizado pelo Cnaves. Aí, as
avaliações eram seguidas por uma visita da Inspecção
do Ensino Superior, a quem competia verificar se a
instituição tinha delineado um plano de melhoria dos
resultados, confirmando anos depois se tinha sido
posto em prática. No caso português, conclui este
organismo europeu, "o sistema de acompanhamento não
respeita os critérios europeus".
"Familiaridade" entre
avaliadores e avaliados
Outra das fragilidades do modelo português, aponta a
Enqa, traduz-se na "limitada independência" do
próprio organismo responsável pela avaliação. "A
natureza representativa do Cnaves e dos seus
conselhos de avaliação, com o predomínio de
elementos das universidades públicas, compromete a
independência do sistema", lê-se no relatório.
E um sistema que queira respeitar os parâmetros de
exigência europeus tem de garantir a independência
da agência de avaliação, em relação aos ministérios
e às próprias instituições de ensino superior.
Sem pôr em causa a honestidade dos elementos que
integraram as equipas de avaliação externa, a Enqa
diz que os métodos de nomeação não respeitavam este
princípio. E que o recurso a peritos nacionais, num
país onde a comunidade académica é pequena, leva a
que haja uma "considerável familiaridade entre
avaliadores e avaliados".
Uma estrutura demasiado complexa, agravada pela
falta de pessoal e formação dos avaliadores, levou
também a problemas de "consistência nos processos de
avaliação e nos relatórios finais preparados pelas
várias equipas".
A Enqa ressalva que a experiência acumulada ao longo
de dez anos deve ser tida em conta na constituição
da nova agência de avaliação e realça como um dos
pontos mais positivos a "cultura de auto-avaliação"
que a actividade do Cnaves desencadeou em muitas
instituições.