Diário Digital - 29
Nov 06
Em defesa da Vida!
João Titta Maurício *
Na questão do aborto, lamentavelmente, muitos são os
que já se renderam às facilidades argumentativas e
que, julgando ser possível lucrar com lealdades
menores, cederam às conveniências de um certo
“modismo” intelectual pouco elaborado e nada novo.
Porém, porque tenho suficiente confiança nas
Virtudes que professo e escolhi viver, opto por
rejeitar as facilidades da “modernidade”, mesmo
quando tal decisão surja como susceptível de trazer
desvantagens pessoais ou até privar-me de excelsas
glórias que não procuro.
Já aqui afirmei que ligar a Vida e a Felicidade
futura de uma criança por nascer ao presente difícil
dos pais, seria condenar quase todas as crianças ao
não nascimento! Ou até poderia justificar um
recuperar do direito de livre disposição da vida dos
filhos por parte dos pais. Porque já foi assim!
Também creio ter já demonstrado a falácia da
conclusão que tem como pressuposto argumentativo “o
corpo pertencer à mulher!”. Apenas acrescentaria
que, não obstante a excessiva e incoerente defesa de
um Individualismo incompatível com um viver humano e
civilizado, mesmo admitindo que o corpo à mulher
pertence, o máximo que daí se poderia concluir seria
ser dela o direito a impedir que aconteça uma
gravidez... Sendo abusivo estender essa liberdade de
determinação ao ponto de se considerar como legítimo
um (suposto) direito de eliminar a Vida humana que,
estando a desenvolver-se dentro dela, já não é ela,
já não é dela. É já mais do que ela: é uma nova
vida! Uma nova vida, humana, completa na
singularidade genética que marca e distingue cada
Homem, singularidade que está definitivamente
definida desde a concepção. Não por razões
exclusivamente estéticas ou éticas. Mas porque,
cientificamente, não há dúvidas que «na falta de um
infortúnio natural ou intervenção letal, o produto
da concepção humana será o que toda a pessoa sã
reconhece como um ser humano».
Mas, de facto, é bom recordar que não há motivo ou
momento que, validamente, possa justificar o acto de
tirar a vida de um inocente, fraco e indefeso. E a
vida intra-uterina é vida humana, pois se «nada que
não seja um ser humano se tornará alguma vez num ser
humano», então «uma criança por nascer é um ser
humano desde a concepção». Disso não há dúvidas. Nem
civilizacionalmente, nem cientificamente. E é essa a
razão da defesa da proibição do aborto: não é para
punir a mulher que seria supostamente esbulhada de
um direito a abortar; mas para proteger uma vida
humana que a todos, através da Lei e dos actos, cabe
salvaguardar, porque, como sociedade civilizada e
como um todo, aos vivos e aos mais fortes é
atribuído o inalienável dever e tarefa de proteger
os desarmados e os inocentes, os mais fracos e os
mais indefesos. Mas sempre… e não só quando convém!
Por outro lado, seria bom que os defensores do
aborto livre, quando falam da «dolorosa experiência
da maioria das famílias portuguesas», assumissem a
sua enorme quota de responsabilidade nesse
sofrimento por, recorrente e abusivamente,
confrontarem estas mulheres com o “circo” que montam
à volta do tribunal, o qual proporciona um
“espectáculo” que apenas beneficia os autores e
actores voluntários e não aquelas que estes afirmam
sempre defender. Ou seja, às graves consequências
psicológicas que resultam do aborto que praticaram,
os defensores do aborto livre e irrestrito decidem
usá-las como supostas mártires em favor de uma
pretensão que nenhuma delas acaba a defender. É
manifestamente singular que muitos dos “ídolos” que,
nos idos anos 70, internacionalmente sustentaram a
voragem abortista, são hoje convictos defensores da
Vida. Será porque descobriram que, quando se adopta
uma leveza de consciência e se colocam de parte os
limites morais e humanos mínimos, o custo e a dor
são, a médio e longo prazo, bem maiores?
A legislação de uma comunidade não pode assentar na
soma de experiências individuais, antes devendo ser
a expressão compatível de uma ordem ética, moral e
civilizacionalmente desejada por essa comunidade. E
a nossa há séculos que optou por, nestas questões,
tomar por referência o aforismo: não faças aos
outros o que não querias que te fizessem a ti.
Principalmente quando o indivíduo não pode decidir
ou não se pode defender. Por isso, à luz deste
princípio civilizacional, é inaplicável a resposta à
pergunta se gostaríamos de ser punidos pela prática
de um aborto, pois quem o faz, pode decidir e,
consequentemente, opor-se. A pergunta mais adequada
seria se, sendo um ser humano em estádio
intra-uterino, defenderíamos a solução abortiva.
Porque a Vida que se desenvolvia dentro da mulher
que aceitou o aborto é Vida humana, indefesa,
inocente e, nesta medida, está numa situação que,
humana e civilizacionalmente, nos exige esforços
ilimitados de auxílio, resguardo e protecção. Porque
é pelos fracos, pelos inocentes e pelos indefesos
que o Direito existe. Pois, o aborto é a lei do mais
forte. E travesti-lo de Direito, consagrá-lo
legalmente, é inverter e perverter a função da ordem
jurídica. É tornar aceitável o que todos sabem ser
mau. É autorizar que o mais forte elimine o mais
fraco. É tornar tutelável um intolerável livre
direito de disposição sobre a Vida… e, ainda por
cima, a vida de outro. Pior, a vida de um outro que
é fraco, inocente, indefeso. E mais grave: por
aqueles que, naturalmente, deveriam ser o seu
primeiro resguardo, o seu mais importante amparo, o
seu mais implacável protector. Deste modo, consagrar
uma lei de liberalização do aborto seria não só
abrir uma porta à Cultura da morte: seria derrubar,
demolir as muralhas de um modelo civilizacional que
nos sustentou e defendeu nos últimos milénios.
A questão do aborto não é uma questão de gostos,
opções ou moralidades: é uma questão de lealdade
para com os mais fracos. Cada vez mais se cai na
vivacidade das propostas demagógicas de uma
“modernidade” bem-falante, que nos impõem as suas
imperturbáveis certezas, fruto da sua inabilidade em
distinguir o que é ilusão do que é realidade. Sobre
as democracias e sobre o mundo ocidental pairam
escuras nuvens da crise moral que tolda os
princípios que a enformam, tornando-a incapaz de
perceber a natureza da sua própria deterioração
física, intelectual e moral.
Contem com quem, fiel aos Princípios, que não
desiste. E resiste!
* titamau@netcabo.pt
Professor na Universidade Lusófona