Público
- 03 Nov 07
Verdades sobre a escola duras
como pedras
José Manuel Fernandes
Há boas escolas em zonas difíceis.
Há bons professores em más escolas. O que não há é
um bom sistema de ensino comandado por iluminados
"filhos de Rousseau" que gostariam de levar todos,
pela arreata, até ao seu paraíso igualitário mas
medíocre
Regressemos ao tema dos resultados
das escolas nos exames do básico e do secundário. E
à evidência de que o sistema actual reproduz e
acentua as desigualdades, em lugar de proporcionar
"igualdade de oportunidades".
Antes, porém, de o fazermos, é
importante clarificar conceitos. Os autores de um
dos estudos mais críticos dos rankings do PÚBLICO, e
que ontem citávamos, consideram que "o conceito de
eficácia das escolas associa-se à capacidade de
diminuir as desigualdades entre alunos e de oferecer
mais oportunidades de aprendizagem de forma
diferenciada e conforme as necessidades de cada um,
quer se trate de alunos com dificuldades, quer se
trate de alunos excepcionais". Isto é um disparate
absoluto: à escola não compete "diminuir as
desigualdades entre alunos", antes permitir que os
que têm potencial e talento se tornem excepcionais,
os medianos sigam em frente e os que seriam
facilmente excluídos não sejam abandonados. Isto
pode e deve acentuar desigualdades: nenhum talento
deve ficar a marcar passo, porque os professores
concentram a sua atenção nos baldas e nos cábulas -
ou seja, à escola, enquanto serviço público (seja
ela privada ou do Estado), cabe permitir que todos
tenham as mesmas oportunidades, ponto final. A
partir daí é sua obrigação potenciar as capacidades
dos melhores sem abandonar os piores.
Olhando para os resultados que ontem
divulgámos verificamos que isso não acontece nas
escolas públicas (para os talentos sem recursos), e
que o acesso restrito às privadas excluiu de um
ensino mais diferenciado os talentos cujas famílias
não possuem recursos. Isso é mais evidente no ensino
obrigatório (o básico) do que no ensino que dá
acesso às universidades (o secundário).
Amaior disparidade de resultados
entre público e privado que encontramos no básico
começa por o ensino público falhar estrondosamente
quando toca a atrair os filhos da classe média que
podem pagar o ensino privado. Sucede isso porque as
escolas públicas são, por definição, piores? Não.
Essas famílias, que se preocupam com o ensino dos
seus filhos, poderiam colocá-los em estabelecimentos
públicos, se estes, por exemplo, oferecessem
horários compatíveis com os horários de trabalho do
pai e da mãe. O que é tanto mais verdade quanto mais
novas forem as crianças, e tanto mais grave para o
denegação da igualdade de oportunidades, quando se
sabe que é nos primeiros níveis de ensino que se
começa a estabelecer a diferença nas aprendizagens.
Essa disparidade também deriva do
preconceito de que não é possível uma escola ser boa
quando está inserida numa zona problemática. É
mentira: depende da sua organização, e a sua
organização é função do seu grau de autonomia. Um
dos melhores exemplos que ontem relatávamos é o de
uma escola que acolhe alunos de 18 nacionalidades,
foi a que levou mais alunos a exame no 9º ano, está
numa zona do interior pobre do concelho de Cascais
e, mesmo assim, fica relativamente classificada no
ranking. Trata-se da Escola Salesiana de Manique,
uma escola privada que tem um contrato com o Estado
que garante aos seus alunos não terem de pagar nada
para a frequentar. É pois uma escola pública com uma
gestão privada exigente e diferenciada que funciona,
mostrando que receber alunos problemáticos não é
sinónimo de maus resultados no fim do ano. Mais: se
olharmos para um outro exemplo, o de uma escola em
Ourém que a Inspecção-Geral do próprio ministério
considerou muito boa, verificamos que mesmo quando
se recebe alunos vindos de famílias com pouca
educação é possível fazê-los evoluir na melhor das
direcções.
Nenhuma escola está condenada a ser
má. Com alunos mais difíceis não conseguirá ser a
melhor, mas pode acrescentar muito valor, se for
boa, disciplinada e exigente. Podem fazer a
diferença que fazem alguns professores nas piores
escolas, algo que ressalta dos quadros por
disciplina que publicávamos. É preciso é lê-los com
atenção.
Ao encontrarmos exemplos que fogem
ao estereótipo do binómio boa escola de ricos/má
escola de pobres, aproximamo-nos do âmago do
problema. E esse é a verificação clara de que, após
30 anos de democracia, o nosso sistema de ensino
massificou-se, mas tornou-se numa fábrica de
desigualdade porventura maior do que já era. Isso
deve-se à ideologia centralizadora e facilitista de
quem, governo atrás de governo, tem gerido a
Educação em Portugal, e à resistência dos propalados
"amigos dos pobres" em encararem modelos de gestão
do sistema menos centralizadores e que envolvam,
responsabilizando, os professores, os pais e as
comunidades locais.
Como iluminados "filhos de Rousseau"
julgam poder impor de cima a melhor das ordens,
legislando e regulamentando, como anteontem defendeu
na RTP a actual ministra. Falharam, falham e
falharão, porque ninguém quer ser levado pela
arreata por tais vanguardas. Se lhes derem a
escolher - começando por escolher entre escolas
públicas, até para acabar com a urticária que causa
a escola privada -, alunos, pais e professores
sacudirão a arreata na primeira oportunidade. Se
duvidam ou acham impossível, permitam ao menos que
se experimente localmente um modelo diferente. É o
mínimo dos mínimos, se quisermos melhores resultados
sem ter de, para os conseguir, diminuir a
dificuldade dos exames.