Público - 2 Out 03

Durão Promete Discriminação Positiva do "Portugal Desfavorecido"
Por RITA SIZA

O primeiro-ministro, Durão Barroso, comprometeu-se ontem com a "definição de políticas de discriminação positiva" para cerca de um terço da população nacional - uma estimativa que abarca todos aqueles que vivem em locais que registam um índice de poder de compra "per capita" abaixo dos 75 por cento da média nacional. O Governo apresentou ontem a configuração do mapa do "Portugal desfavorecido", adoptando o modelo proposto por Daniel Bessa, o encarregado de missão nomeado pelo executivo para elaborar um Programa de Recuperação de Áreas e Sectores Deprimidos (PRASD) do país. O critério usado por Bessa, assente no índice de poder de compra "per capita" - "é o mais relevante em termos da vida das pessoas", defendeu -, é precisamente aquele que é utilizado pela União Europeia para definir as suas políticas regionais e de coesão.

Durão Barroso anunciou que já no próximo Conselho de Ministros o Governo vai subscrever oficialmente o mapa das regiões desfavorecidas desenhado por Daniel Bessa, o que permitirá que aqueles concelhos abrangidos pela classificação fiquem "automaticamente" abrangidos pelas medidas de discriminação positiva previstas na lei - benefícios fiscais, financeiros, sociais ou outras. "Vamos adoptar este critério para fazer políticas de coesão nacional ambiciosas", garantiu. Já no que diz respeito às muitas outras recomendações contidas no documento, o primeiro-ministro foi bem mais esquivo: "O relatório está muito claro e dá indicações muito precisas. Podemos ou não segui-las", disse.

Na apresentação do sumário executivo do extenso relatório, Daniel Bessa isolou do total de 18 grandes áreas em que foi dividido o país (e que correspondem às chamadas NUTS III estatísticas, isoladas ou nalguns casos agregadas), as seis regiões que se distinguem como as de maiores dificuldades: Trás-os-Montes e Alto Douro, Cávado e Ave, Tâmega, Beira Interior, Pinhais Interiores e Alentejo. A par da identificação dos seus problemas, Bessa indicou soluções (ver texto ao lado) e propôs acções, com especial ênfase nas de carácter voluntarista. "O projecto de regadio da Cova da Beira é o único investimento pesado que nos atrevemos a propor", observou.

"Esforço voluntarista"

Na sua intervenção, Durão Barroso limitou a capacidade de actuação doGoverno ao estrito cumprimento do plano de contenção da despesa pública e cumprimento do limite do défice externo. "As recomendações para estas seis áreas, que nos preocupam como também preocupa por exemplo os Açores, não implicam necessariamente a transferência de mais recursos públicos", considerou. Depois de repetir que "o abandono da política de rigor orçamental e financeiro inviabilizaria qualquer política regional", o primeiro-ministro "atirou" para a iniciativa privada a tarefa de liderar as iniciativas que promovam o aumento da competitividade e produtividade das regiões mais desfavorecidas e o seu desenvolvimento.

"Não queremos desresponsabilizar o Estado e o Governo", continuou Durão, para quem o sucesso não é compatível com o aumento da despesa e intervenção do Estado. "Quem cria riqueza são as empresas com a sua iniciativa e os trabalhadores com a sua actividade. Ao Estado cabe criar condições para que assim aconteça", concluiu, garantindo que o Governo não vai deixar de, com os recursos disponíveis, fazer o "esforço voluntarista" que lhe foi sugerido por Daniel Bessa.

Mesmo assim, o ministro da Economia, Carlos Tavares, responsabilizou-se já com algumas iniciativas que obedecem às conclusões do PRASD. O Governo vai constituir, em associação com entidades públicas e privadas de capital de risco, um fundo de capital de risco no valor de 60 milhões de euros "para intervenção exclusiva nas seis áreas mais deprimidas" identificadas no estudo. Um montante que se acrescenta à dotação inicial de 20 milhões de euros para o fundo de sindicação de capital de risco que já estava contemplado na resolução de Conselho de Ministros que criou o PRASD.

Apesar de não se comprometer com as medidas enunciadas no relatório, Durão Barroso manifestou ontem o seu reconhecimento a Daniel Bessa e à sua equipa pelo trabalho elaborado, "um estudo sério e independente, sem qualquer interferência do Governo", como não deixou de sublinhar. "Eu gosto muito de 'dossiers'", confessou, acrescentando que se tinha levantado às seis da manhã para ler e apreciar o relatório de Daniel Bessa. Pelo seu lado, o autor fez questão de sublinhar que as ideias expressas no estudo apenas o responsabilizam a si, sem qualquer obrigação do Governo em seguir as recomendações apresentadas.

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