Público - 18 Out 03

"Os Preços Duplicaram por Culpa do Euro"
Por LUÍSA PINTO

"Quando o preço do café aumenta, nós temos possibilidade de escolher e de não o beber. Mas para fazer uma sopa é preciso pôr couves e batatas na panela...". António Pereira tenta que a resignação lhe esconda a irritação, mas não consegue. À frente de um pequeno supermercado numa rua de Braga, este comerciante não pára de se lamentar dos preços que diariamente enfrenta junto dos produtores que vendem no Mercado Abastecedor de Braga.

Sem querer parar na questão do aumento dos preços do último mês, António Pereira insiste em reparar que as coisas têm vindo a piorar não há um mês mas há quase dois anos. "Desde a entrada do euro, mais precisamente", acrescenta. A "freguesa" de muito tempo, logo ao lado, diz que se lembra do preço das maçãs a 80 escudos o quilo - "que é o preço justo, penso eu" - mas agora é obrigada a pagar 80 cêntimos. "Os agricultores transformaram um escudo num euro, sem se lembrar que um euro são 200 escudos, e não há maneira de os convencer que assim está mal", critica António Pereira, não tendo dúvidas em atirar para os agricultores todo o ónus da inflação. "Se em Espanha um quilo de pêras agora custa um euro, se calhar não é demais. Mas em Portugal é, tendo em conta o nosso salário mínimo. Com a entrada do euro, tudo duplicou, menos os salários", resmunga o comerciante.

Também atrás de uma banca no mercado do Bom Sucesso, no Porto, Maria Emília Santos diz que não pára de ouvir queixas. "Ainda há pouco esteve aqui um casal de jovens a queixar-se do preço de tudo e a dizer que a vida vai mal. Eu disse-lhes que mal estava tudo antes. E que a vida agora não vai mal, porque todos têm carro, telemóvel e computador... Mas estou a brincar, porque eu também acho que tudo agora está muito caro." Maria Emília Santos compra directamente aos agricultores os produtos frescos que de manhã põe sobre a sua banca, e queixa-se da teimosia com que alguns dizem que por 25 cêntimos o quilo preferem deixar o campo a monte e não plantar as couves. "Mas não vai há muito tempo que só levavam 50 escudos. Agora pedem mais do dobro. Não está certo!", critica.

Entre quem se abeira das bancas, não falta quem apalpe os legumes para logo a seguir queixar-se dos preços. "Eu também me queixo. Mas a nossa margem de lucro é sempre a mesma", garantiu a vendedora, para também ela culpar, pela factura, os produtores. Mas as críticas não ficam por ali, e chegam também à fiscalização. "Como se já não fosse um roubo pagar 1,8 ou dois euros cada quilo de bróculos, os clientes ainda por cima levam mais troncos que verdura. Tirando os troncos não se aproveita nada. Mas vem tudo muito bonitinho e embalado, e a fiscalização não vê!"

Nas grandes superfícies - que têm como opção, para além dos produtos portugueses, muita produção estrangeira - os preços variam muito mas a qualidade dos produtos também. Uma outra tentativa de convencer os clientes - que cada vez mais vão ao supermercado com uma máquina de calcular ao lado da lista de compras - a mesma grande superfície publicita a "refeição económica garantida", apresentando promoções em carne, peixe, mas sobretudo em produtos hortofrutícolas: batata a 0,18 ?/kg, maçã a 0,75 ?/kg e pêra rocha a 0,99 ?/Kg. Mas, para pagar este preço, quantidades mínimas: cinco quilos de batata, dois quilos de maçãs e 1,5 quilos de pêra rocha.

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