Público - 24 Out 06
Ribeiro e Castro proclama princípio in dubio pro
vitae
Discussão sobre o início da vida dominou debate
sobre aborto na sede do CDS-PP
À falta de certezas científicas sobre o momento em
que começa a vida deve vingar o princípio in dubio
pro vitae - na dúvida, defenda-se a vida -,
proclamou, ontem, o presidente do CDS-PP, José
Ribeiro e Castro, no final de mais um Almoço do
Caldas. É a "regra do caçador", antes enunciada pelo
deputado José Paulo Carvalho, um dos fundadores da
Federação Portuguesa pela Vida: "Se não tiver
certeza de que o movimento que vê atrás do arbusto é
de uma perdiz, não pode disparar."
O bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, já
confirmara que a questão do início da vida humana
ainda não tem uma resposta única ou definitiva. "Se
calhar a vida, tal como a morte, não é um momento, é
um tempo, um processo contínuo", considerou, depois
de recordar as dificuldades idênticas, verificadas
no passado, para se determinar quando acaba a vida.
"A morte é um processo, morre-se por partes,
primeiro o tronco cerebral, depois o cérebro, a
seguir o coração e, por fim, é que vem a rigidez
cadavérica."
Mas se a morte cerebral é hoje o conceito
internacionalmente aceite, ainda não há uma
convenção que determine o início da vida, frisou.
"Se o paralelismo for feito com a morte, então
teremos um início da vida próximo das dez, 12
semanas", afirmou Pedro Nunes. "É para este debate
que a Ordem dos Médicos queria ter sido chamada e
infelizmente não foi", lamentou Pedro Nunes. Mas vai
fazê-lo, por iniciativa própria, com um seminário
internacional, a decorrer a 2 e 3 de Fevereiro de
2007.
Para muitos dos presentes, a questão não parece ter
grande relevância. "Todos podemos ter dúvidas ou
certezas quanto ao início da vida, mas determinar
que o aborto é crime a partir das 10 ou das 12
semanas não passa de uma convenção administrativa",
considerou Bagão Félix, mandatário de uma petição
que pretende um referendo sobre a reprodução
medicamente assistida. Ribeiro e Castro reafirmou
aquilo que no partido é aceite como um dogma: "A
vida humana é inviolável." Com esse facto concordam,
claramente, tanto Pedro Nunes como o bastonário da
Ordem dos Advogados, Rogério Alves, outro convidado
do almoço.
Falando a título pessoal, Rogério Alves defendeu que
"o direito deve submeter-se à vida", que é
"intangível", pelo que a lei o máximo que pode
fazer, é abrir "algumas excepções", quando estão em
causa direitos atendíveis, como o perigo de vida da
mãe, a malformação do feto ou a violação. "A forma
como o Código Penal resolve a questão parece
equilibrada, porque vai ao encontro dessas
situações", defendeu. Ribeiro e Castro está de
acordo e reafirmou que o CDS-PP é contra a alteração
da actual lei sobre o aborto, porque "é a que
protege a criança, a mulher e o bem comum", defende
Ribeiro e Castro.
"Dos nossos impostos para as clínicas espanholas"
Criticada em uníssono foi a opção política do PS em
insistir na consulta popular: "Este é o referendo do
dia seguinte", classificou Bagão Félix, que comparou
a tentativa de despenalização do aborto com o que se
passa na Europa: "A Dinamarca chumbou Maastricht e
haverá tentativas de um novo tratado até a Dinamarca
o aprovar."
A questão não é apenas de princípio, mas também
económica. "Se o "sim" ganhar, vai-se priorizar em
termos de políticas públicas a concretização de uma
lei que é o contrário do baby boom que o país
precisa", criticou Maria José Nogueira Pinto,
moderadora do debate. Mais tarde, enfatizou: "Se a
lei for aprovada, vai sair dinheiro dos nossos
impostos para as clínicas espanholas, é um facto."
Pedro Nunes é sensível ao argumento financeiro: "Com
tantas carências que tem o Serviço Nacional de
Saúde, não se compreende que se criem convenções
para [financiar] o aborto, quando não se participa a
100 por cento os medicamentos contra a sida, nem se
abastecem os centros de saúde de contraceptivos." Já
Rogério Alves tem uma posição contrária. Em seu
entender, "se a opção for correcta, se interrupção
voluntária da gravidez for autorizada pela lei, deve
ser paga pelo SNS".
Para Ribeiro e Castro, já não há dúvidas de que o PS
"trata o aborto como um método contraceptivo". A
prova está, ajuizou, no facto de o PS ter começado a
sua campanha pelo "sim" com um seminário sobre saúde
sexual e reprodutiva. "Isso é tratar o aborto como
planeamento familiar", frisou.
Mais longe vai Maria José Nogueira Pinto: "A opção
do PS é claramente ter um aborto livre até às dez
semanas, completamente a pedido." E justifica com as
alterações que o partido da maioria apresentou ao
projecto de lei inicial, em que "desaparecem os
centros de acolhimento familiar e a consulta
médica".