Público - 09 Out 08

 

A família, a diferenciação de género e o futuro da sociedade
Rita Lobo Xavier

 

Os pares do mesmo sexo representam opções insusceptíveis de serem convertidas em modelos para uma sociedade

 

A propósito de um projecto em debate na AR para admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, temos assistido ao desenvolvimento de uma argumentação que situa o tratamento desta questão no quadro das liberdades e da igualdade, concretamente no plano das discriminações fundadas na "orientação sexual". Na realidade, uma coisa é sustentar que as pessoas enquanto tais não podem ser objecto de discriminação com esse fundamento; outra coisa diferente é pretender que entre duas pessoas do mesmo sexo pode constituir-se uma relação familiar pelo casamento. No clima igualitário da cultura actual, rejeita-se agora a diferenciação masculino/feminino, que se pretende converter numa questão de gostos e preferências subjectivas. E já que o género, a diferença entre o homem e a mulher, seria umpura construção social, no limite, poderia construir-se uma relação familiar de sexo igual.

 

Se é certo que nas sociedades que nos precederam muitos dos elementos diferenciadores de género, culturalmente determinados, foram mutáveis, a verdade é que é fundamental que a diferença específica e essencial entre os sexos se mantenha na célula familiar básica, para a própria sobrevivência da sociedade. A família humana forma-se a partir do género sexual que lhe dá vida, não é possível constituir família com um género indiferenciado. É também uma evidência que a diferença sexual (biopsíquica-afectiva) é funcionalizada à geração dos filhos e, nesta, a diferença de sexos não é irrelevante.

 

A reivindicação da irrelevância da diferenciação de género para efeito da constituição da relação familiar conjugal apenas vê a questão de um ponto de vista muito particular, e não na perspectiva geral da organização familiar: procura-se um eventual benefício para a comunidade homossexual, existindo uma legítima intenção de eliminar as injustas e indignas reacções homofóbicas. Mas, de facto, os pares do mesmo sexo, por muito que possam subjectivamente "sentir-se família", na realidade apenas desenvolvem relações íntimas de afecto, na medida em que a diferença de género é anulada, como é anulada a função procriadora da relação.

 

Para além de estas situações se verificarem em termos estatísticos muito reduzidos relativamente à totalidade da população, são circunstâncias muito particulares que não podem ser sociologicamente generalizadas, sob pena de envolverem alterações nocivas e destruidoras da própria sociedade. Com efeito, tais relações inviabilizam a geração dos filhos, que, quando muito, só poderia ser "técnica" (PMA com dador) ou "jurídica" (adopção de filhos de outrem), e sempre apartada da existência de um casal reprodutor que constitui uma relação com o procriado e se responsabiliza pela sua socialização.

 

A reflexão sobre o reconhecimento jurídico de uma relação como familiar tem de ter em consideração que, na fenomenologia social actual, os pares do mesmo sexo representam opções e projectos de vida muito particulares insusceptíveis de serem convertidos em modelos para uma sociedade. Quem escolhe constituir um projecto de vida com outra pessoa do mesmo sexo renuncia àquela reciprocidade de sexos que promove o filho, rejeitando a exigência indispensável da reposição geracional: que nasçam crianças, expressão de uma relação interpessoal entre os pais, e que estes assumam, por isso, a responsabilidade primária socializadora da mesma.

 

Assim, por muito atraente que seja a aspiração igualitária, bom seria que os representantes do povo português no Parlamento tivessem sobretudo em conta as consequências do seu voto para o futuro da própria sociedade. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa