Público -
20 Out
08
A bolha da China
Rui Tavares
Novidades velhas: a bolha americana. A crise chega à
Europa. Mas quem quiser mesmo viver ansioso pode
começar já a preocupar-se com a bolha da
China.Novidades velhas: a bolha americana. A crise
chega à Europa. Mas quem quiser mesmo viver ansioso
pode começar já a preocupar-se com a bolha da China.
Um economista de direita, Tyler Cowen, descreveu há
tempos dois cenários para o futuro desta crise. O
optimista: dois anos de recessão. O pessimista: dez
anos de depressão global. Na verdade, deveríamos
chamar-lhes o "cenário mau" e o "cenário muito mau".
E mesmo o cenário muito mau poderia transformar-se
em cenário péssimo se rebentasse a bolha da China,
que o economista não descrevia, mas que vulgarmente
se subentende da seguinte forma: os EUA e a Europa
deixam de poder importar tantos produtos chineses
por causa da sua recessão, levando a China a
importar menos matérias-primas ou até a falhar
pagamentos por elas. Se a China não tiver quem lhe
compre os produtos, e uma vez que o seu mercado
interno é ainda reduzido, terá de tentar explorar
outros mercados para compensar as perdas. Confere
com o título da Folha de São Paulo, ontem: China
busca América Latina para manter expansão.
Não faço ideia sobre a probabilidade de rebentar a
bolha económica da China. Esperemos que seja pequena
- como esperámos com todos os sucessivos cenários
pessimistas que se foram confirmando nos últimos
meses - e que não ocorra no curto prazo.
Mas o que me preocupa mesmo é a bolha política da
China. Nos últimos anos transferimos grande parte da
capacidade produtiva mundial para um regime que
parece estável mas que é sobretudo opaco. Nem toda a
gente fica contente, e muita fica até desempregada,
mas na verdade este estado de coisas tem sido
confortável para as partes envolvidas. Nós ganhamos
produtos baratos que ajudam a disfarçar os nossos
rendimentos estagnados. Eles ganham em crescimento
económico e capacidade para anestesiar o
descontentamento interno. Toda a gente parece
ganhar, até um dia - e quando "toda a gente parece
ganhar até um dia", estamos perante a primeira
característica de uma bolha.
A outra característica de uma bolha é que ninguém
sabe quando vai rebentar. A incerteza impede-nos de
a esvaziar a tempo. E aí chegamos a um ponto
crucial: a opacidade é tão grave nas empresas como
nos regimes políticos. Uma democracia é previsível
porque é maleável. Uma ditadura parece previsível
mas é apenas rígida. Na verdade, é mais de quebrar
do que de torcer. Olhem para o regime chinês: todos
nos garantem que dali não virão surpresas. Mas será?
Quando nos apercebermos de que andámos a transferir
grande parte da produção mundial para um regime que
ninguém sabe como se comportará daqui a dez ou vinte
anos, a insegurança é capaz de tomar conta. Se o
crescimento económico diminuir por lá, o
descontentamento é capaz de tomar conta. Em tempos,
tivemos oportunidade de moderar a bolha, exigindo à
China uma fasquia mais elevada de respeito pelos
direitos dos trabalhadores e pelo meio ambiente. É
natural que alguns líderes mundiais voltem a falar
agora nessas exigências, mas pode ser demasiado
pouco, demasiado tarde.
Dir-me-ão: a China parece sólida. E eu direi: sabem
o que mais parecia sólido, aqui há uns anos?
Historiador