Público  - 15 Set 08

 

"Cultura - Tudo o que É Preciso Saber"

 

Um livro que um dos meus filhos anda a ler tem um título pomposo - Cultura - e um subtítulo improvável Tudo o que É Preciso Saber - despertou-me a curiosidade até por o autor ser alemão - Dietrich Schwanitz. O livro é até interessante, apesar de redutor. Mas o que me levou a citá-lo foi o facto de a descrição com que deparei sobre o estado do ensino na Alemanha ser completamente aplicável à situação portuguesa. E eu sou professora, implicada e aplicada a compreender as razões do desconforto de todos.

 

Depois de se referir ao desprezo a que os professores são votados pelas outras classes profissionais pelo facto de não terem saído do sistema de ensino e de todos se lembrarem "com especial precisão" dos maus professores, diz o autor o seguinte: "Mas este desprezo é injusto face a uma tarefa que nem um gestor experiente nem um empresário com nervos de aço haveria de aguentar durante uma manhã sem pensar em fugir: nomeadamente a de levar uma horda de selvagens sem interesse na aprendizagem, mal-educados e habituados ao entretenimento televisivo a interessarem-se pela sublimidade do Idealismo alemão, enquanto estes não pensam noutra coisa senão em organizar ataques à dignidade do professor. Ninguém fora do recinto escolar faz uma pequena ideia deste combate diário contra a insolência pura e simples, a maldade sádica e a crueza mental."

 

Para os que, de forma politicamente correcta, acham que há exagero nestas afirmações, lembro que as atitudes referidas, não sendo gerais, são frequentes. Li há tempos um relato aterrador de uma professora que, sofrendo do coração, foi recebida com este mimo à entrada de uma aula de substituição: "Vai-te embora, velha!" ou "Que vens pràqui fazer, velha?" ao abrigo do anonimato que estas situações de bulício generalizado permitem. A senhora sofreu mesmo um ataque cardíaco. Mas o que a seguir se diz é também interessante: "E o que é pior é que o professor ainda por cima tem de suportar que lhe sejam apontadas responsabilidades pela rudeza e falta de educação dos seus alunos: ele próprio tem a culpa; ele é que não tem mão na turma, os alunos não "curtem" as suas aulas, pelo contrário, sentem-se maçados. (...) O seu comportamento é unicamente imputado às aulas, ao passo que, na realidade, padecem de falta de capacidade de concentração e de défices educacionais de fabrico caseiro. (...) Ora como os professores são oficialmente culpados pelos seus próprios problemas, são empurrados para a via da mentira; fazem segredo das suas dificuldades. (...) Fingem-se bem sucedidos e fazem de conta que não têm problemas. Na realidade muitos de entre eles encontram-se profundamente desmoralizados." Fim da longa citação.

 

O que vem a seguir é ainda mais espantoso porque, sendo, na Alemanha, os directores das escolas escolhidos, como se diz, quase sempre pela sua filiação partidária, seríamos levados a pensar que em Portugal as consequências de tal politização seriam inexistentes. Ora elas são absolutamente iguais. Vejamos: "O partido que se encontra no governo (...) serve-se da política de ensino para ter alguma coisa para apresentar na próxima campanha eleitoral: uma nova medida, uma nova concepção apaixonante, um novo rótulo interessante. Deste modo a escola, que necessita de poder fazer planificações de longo prazo, é mantida em ebulição por sucessivos eventos-fantasma: aulas interdisciplinares, projectos, novas constituições escolares, modelos de gestão partilhada, formas de envolver os pais." (...)

 

O autor atribui este estado deplorável do ensino ao facto de se terem perdido as referências e de não se saber o que ensinar e com que finalidade. Eu julgo que há mais qualquer coisa e não me admirava nada que fosse, pura e simplesmente, a necessidade de o partido político que está no poder assegurar que lá continuará ou que lá voltará qualquer dia. É preciso sossegar os pais que são os votantes mais numerosos: a culpa é dos outros, nunca da educação que estão a ministrar aos filhos, ou da falta de regras em casa, do permanente acesso a distracções a que sujeitam as crianças para que não os aborreçam. Estamos a criar indivíduos que não são capazes de prestar atenção a nenhum assunto por mais de dois ou três minutos e este estado de coisas está a avançar cada vez mais no nível etário. A incapacidade de se interessarem por qualquer assunto além dos telemóveis, das comédias, do sexo ou dos Morangos com Açúcar é generalizada, excepto nos casos em que os pais têm maior discernimento. Como eu costumo dizer aos meus alunos, é raro um filho de professor, de médico, etc., ser mau aluno. Será que são mais inteligentes?

 

Maria Virgínia Pereira
Matosinhos
cartasdirector@publico.pt