Público -
17 Set
08
É preciso topete!
Santana Castilho
O milagre da drástica diminuição das reprovações
deve-se a uma despudorada manipulação estatística
Para os portugueses que conhecem a realidade das
escolas e do sistema de ensino, comentar as últimas
afirmações de José Sócrates é pura perda de tempo. A
credibilidade do que diz não vai além da da
publicidade enganosa. Mas junto dos menos
esclarecidos, que infelizmente constituem a maioria,
é dever cívico não as deixar passar em branco.
É preciso topete para falar do maior investimento de
sempre nas escolas portuguesas, quando as verbas
consignadas à Educação, em cada um dos três
orçamentos de Estado da responsabilidade deste
governo, decresceram sempre até atingir, no
orçamento de 2008, o valor mais baixo dos últimos
sete anos, quer em termos absolutos, quer em
percentagem do PIB.
É preciso topete para, não contente com tal
demagogia, ainda se gabar de um programa que vai
obrigar qualquer governo, até 2015 - note-se bem,
2015 -, a executar orçamentos de Estado sucessivos
segundo a cartilha que ele agora definiu. Onde
chegou o absolutismo! Qualquer governo e ministro da
educação futuros terão a vida armadilhada pela
enxurrada caótica de legislação que será preciso
corrigir. Mas destacar o armadilhamento das decisões
dos que virão é obra dum despudor inimaginável.
É preciso topete para dizer que os que manifestam
opinião contrária ao Grande Delfim ofendem os
professores, os alunos e as famílias. É preciso
topete para dizer que os críticos não sabem explicar
por que razão as reprovações caíram ao longo dos
últimos três anos. Onde tem andado Sócrates, que não
lê, não ouve, nem vê o que, de todos os quadrantes,
tem formado um consenso notório? O milagre da
drástica diminuição das reprovações deve-se a uma
despudorada manipulação estatística, da
responsabilidade do Governo. Há dias e a esse
propósito, questionado por Mário Crespo na SIC
Notícias, o ministro Santos Silva foi de uma candura
comovente. Disse ele não compreender os críticos de
um facto evidenciado por dados fornecidos pela
estatística, que é uma ciência. Como cientista
social, não ignora que a natureza dos indicadores e
o uso que deles se faz condiciona fortemente os
resultados a que, a coberto da estatística, se pode
chegar. Como professor universitário, sabe que o
objecto da Ciência é a procura da verdade e que na
história desse percurso abundam exemplos de enormes
mistificações e desonestidades feitas em seu nome.
Como político, não ignora a convicção de Maquiavel,
segundo a qual a Política não conhece a Moral.
Porque não aproveitou a ocasião para separar bem as
águas? Por que não resistiu a dar ele próprio um
belo exemplo de manipulação grosseira? Santos Silva
denegriu uma sociedade científica, de cujo nome se
não recordava, por ter dado um parecer favorável
sobre um exame que, depois... (estupefacção do
ministro)... viria a criticar fortemente, pelo seu "facilitismo".
Falava da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM),
a quem o Ministério da Educação pediu um parecer
sobre a eventual existência de erros científicos no
exame de Matemática do 9º ano. À SPM não foi pedido
parecer sobre a adequação pedagógica do exame nem
sobre o correspondente grau de dificuldade. A SPM já
separou as águas publicamente. É preciso topete para
teimar em misturá-las!
O milagre da drástica diminuição das reprovações
deve--se: a um estatuto do aluno que incentiva a
indisciplina e desvaloriza o trabalho (os alunos
podem passar sem pôr os pés nas aulas); a um
estatuto do professor que baniu a palavra ensino e
grudou a carreira dos docentes a resultados que
dependem de muitas variáveis que eles não podem
controlar; a uma autêntica avalanche normativa (há
quem tenha contado 37 comandos diários) que soterrou
as escolas em burocracia que o talento de Franz
Kafka não imaginaria; a um perverso processo
administrativo que dificulta de tal modo o chumbo
que o mais inteligente é nem começar; a exames
indigentes, a que só falta trazer as soluções, de
patas para o ar, no final do enunciado; a uma
confusão assassina sobre o que significa sucesso
escolar (notas fabricadas versus conhecimento
efectivamente acrescentado). Professor do ensino
superior