Carta do Eng. Vasco Cabral
82 anos, 13 filhos, nosso associado

O nº 2 do Boletim da Associação de Famílias Numerosas, despertou-me recordações preciosas, mas que tinha arquivado por me parecerem demasiado íntimas para virem a lume, mas desde que o meu amigo Dr. Rui Rosas Da Silva abriu o precedente admito que o meu caso possa ter também algum interesse que justifique a mudança da minha natural reserva.

Nasci numa família numerosa: os avós paternos tiveram 14 filhos, os pais 8. Por razões relacionadas com o estado de saúde do meu pai e sua consequente situação económica vivemos com os avós e com três tios ao tempo solteiros.

O lugar e comportamento de cada um dos avós e pais reportam à vida celestial. O avô era o Pai Supremo, o patriarca incontestado, a avó o Espírito tutelar e inspirador, o meu pai o Sofredor que expiava as asneiras dos filhos e a minha mãe tomava o lugar de Nossa Senhora que nos gerou e amparava para a fé.

Passando da poesia para as coisas mais comezinhas e humanas, o caso do bolo e das naturais lutas que provocava entre irmão do Dr. Rosas da Silva também posso citar um episódio que ainda me faz rir quando falo dele. Um parente e amigo lembrava-se de vez em quando de mandar um magnífico queijo da Serra ao meu pai. Chegou ao conhecimento deste nosso Benemérito que o queijo nem sempre era provado pelo meu pai tal a voracidade dos filhos sobretudo do mais velho. Em face do sucedido o Benemérito passou a enviar diariamente e expressamente ao meu pai por encomenda postal uma fatia de queijo.

Na actualidade o meu caso tem que se lhe diga: 13 filhos, 43 netos e a caminhos dos 10 bisnetos, uma enormidade, a que não faltavam  par de inúmeras consolações além de trabalhos, incompreensão, dissabores, impropérios e até insultos.

Num curso que frequentei no estrangeiro fui precedido, como da praxe, do envio, do meu currículum. Tinha então 9 filhos que foi referido em inglês no respectivo telex. Entenderam os destinatários que teria havido forçosamente uma gralha e mudaram o “nine” para “none”. Qual não foi a surpresa e o escândalo quando eu pus tudo no seu lugar!!!

Em viagem que fiz com um estrangeiro, quando lhe revelei a minha situação familiar - não me lembro do número de filhos nessa data - ele classificou-me de assassino. Longe de mim apresentar-me como vítima ou herói e menos ainda como exemplo. O problema é supersério porque está no centro da pessoa, da família e consequentemente da sociedade. Não me atrevo a adiantar soluções mas ninguém tem o direito de o ignorar.

Cada caso é um caso único que não pode ser arvorado em modelo, até porque as circunstâncias de cada um são específicas e substancialmente diferentes das dos outros. No caso apresentado, desde o princípio do século até hoje, tudo sofreu uma mudança de tal maneira radical que temo escandalizar e provocar o riso dos jovens e menos jovens que eventualmente leiam o que foi dito.

A habitação faz parte do problema que afecta muita gente, sobretudo os mais novos que pretendem formar família e que, com frequência, são forçados a recorrer aos pais ou sogros, o que não é solução satisfatória.

Disto tinha consciência clara a minha mãe, que insistentemente nos recomendava não seguirmos o seu exemplo apesar do relativo sucesso que ela com inexcedível humildade atribuía exclusivamente aos meus avós.

Uma família numerosa implica situações que provocam as reacções mais díspares conforme a formação e princípios de cada um. Não sei se o meu companheiro de viagem citado preferia que eu eliminasse alguns dos meus filhos, a agravar escandalosamente, como eu disse, o momentoso problema demográfico mundial. Em campo impossível de conciliar com o anterior, mesmo sem recorrer ao sobrenatural que seria imperativo para abordar o assunto, há quem veja aspectos muito positivos nas famílias numerosas e até na convivência entre várias gerações, tanto do ponto de vista educativo como a forma mais humana de suprir as baixas que inevitavelmente se dão por doença, idade ou morte.

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