CONFERÊNCIAS

Bagão Félix critica política sobre a família
Uma Criança Vale Só Vinte Contos?
Por DULCE NETO

Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2000 Jornal Público

Os filhos e ascendentes são fiscalmente discriminados. A opinião foi emitida pelo ex-ministro da Segurança Social Bagão Félix, durante uma conferência sobre famílias numerosas que decorreu em Lisboa. 
Permite-se, no IRS, a dedução de 20.200$00 pelo ascendente que se tenha a cargo "dentro de casa", mas "se o puser num lar, o Estado dá o triplo, 57.600$00", referiu.

Para o Estado, uma criança parece valer 20.200$00. E um segundo filho vale mais 230 escudos, um terceiro 460 escudos, um quarto 590 escudos. Ou seja, por dia, vale qualquer coisa como 40 escudos, cerca de 30 por cento de uma bica servida numa esplanada, por exemplo. A comparação pertence a Bagão Félix, ex-ministro da Segurança Social (governo do PSD), baseado nos valores que o Orçamento de Estado para 2000 permite deduzir à colecta no IRS (Imposto Sobre o Rendimento Singular) com os descendentes. O actual presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz usou, na noite da passada quinta-feira, em Lisboa, esta contabilidade para mostrar como os filhos e ascendentes são fiscalmente discriminados.
O ex-governante, orador convidado na primeira conferência de um ciclo que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas promove ao longo do ano, criticou a falta de sinais positivos por parte do Governo sobre a importância da família no tecido social. Bagão Félix referiu que aspectos como estes, que se perpetuam há anos, "por inércia", nas sucessivas leis dos Orçamentos de Estado, têm merecido a atenção da Comissão que dirige, mas em vão.
O economista considerou que a "família não é um 'lobby', não conta para os agregados macroeconómicos; há uma insensibilidade da política às realidades concretas". Isso poderá explicar situações como a consideração dos descendentes no plano fiscal, mas também a dos ascendentes. Permite-se, no IRS, a dedução de 20.200$00 pelo ascendente que se tenha a cargo, "dentro de casa", mas "se o puser num lar, o Estado dá o triplo, 57.600$00". Este é "claramente um sinal negativo para o fortalecimento da família". A "dimensão trigeracional pulveriza-se na família" quando todos admitem a importância que "os avós têm".
O reinado dos economistas
No abono de família deu-se um passo importante, reforçando o subsídio consoante o número de filhos (até ao terceiro) e introduzindo o esquema de escalões por nível de rendimentos. "Mas tem que se avançar mais", frisou. Para além de haver alguma injustiça na definição dos escalões (uma família com 89 contos está no 1º escalão, mas uma com 91 já está no 2º patamar, tanto como uma família com 400 contos), o que é tido em conta é o rendimento global e não o rendimento "per capita". Ora, não são necessários muitos cálculos de dividir para perceber que uma família com 200 contos e apenas um filho não tem os mesmos encargos que uma família com o mesmo orçamento e três ou mais filhos. "Porque é que isto não muda?" interrogou-se Bagão Félix, para responder de seguida: "Porque não são grandes reformas". A mesma resposta serviriam para outras perguntas que deixou na conferência presidida pela ministra para a Igualdade, Maria de Belém Roseira: "Porque é que se paga a sisa na compra da primeira habitação? Porque é que existe o imposto sucessório na transmissão de bens entre pais e filhos? Em nome de que valor?".
Para este conferencista, cujo tema era a "Família e Solidariedade Intergeracional", a "família [recusou-se sempre a usar as palavras "agregado familiar", "expressão algébrica, feia"] é a mais genuína instituição do micro-sistema da segurança social". Uma "das dificuldades dos serviços sociais é serem indemnizatórios e reparatórios e não preventivos, quando a família é o centro da prevenção".
Porém, "governa-se para a macroeconomia, o governo é pouco sensível às pessoas, às suas angústias".
Maria de Belém deu alguma razão ao ex-ministro: "Vivemos no reinado dos economistas, onde a boa 'perfomanmce' económica é a medida de todas as coisas. O grande desafio é criar uma moralidade social com a devida sustentabilidade financeira". A ministra adiantou estar em contacto com outros ministérios para reforçar o papel das famílias mas admitiu que a resolução de alguns problemas é "muito difícil". Há que "ser cada vez mais rigoroso na montagem das medidas sociais que fazemos, depois de um século em que as pessoas se habituaram a ter direitos e se esqueceram dos deveres correlativos. Temos que fazer a pedagogia dos deveres sob pena de minarmos toda a solidariedade social".

[anterior]

Outros artigos

EDITORIAL - O quê? Já?

Montepio Geral Apoia Famílias Numerosas - No próximo dia 18 de Maio, vai ser celebrado um protocolo...

Colaboradores precisam-se - Com o aumento das actividades da APFN, torna-se necessário distribuir o trabalho.

CONFERÊNCIAS - A educação acontece na família 

Próxima Conferência - No próximo dia 1 de Junho, pelas 21.30, no Palácio Foz...

Uma questão de solidariedade - O apoio social não é o objectivo primário da APFN, embora “... contribuir para a criação ou criar directamente apoios...

II Encontro da APFN em Fátima - Conforme anunciado, realizou-se no passado dia...

Serões em Família - A APFN deu início a uma colecção exclusiva de CD's, com o título "Serões em Família", que serão vendidos por 2.500$00 cada.