Questões Fiscais – o quociente familiar

As despesas do Estado são grandes, muito grandes mesmo. Para além dos sectores clássicos da defesa, administração interna, negócios estrangeiros e justiça os estados intervêm hoje na economia, na educação, na saúde e no apoio social.

Nas famílias as despesas têm que se ajustar às receitas; ao contrário, os estados obtêm as receitas necessárias para financiar as suas despesas lançando impostos. E, na actualidade, no Ocidente, recolhem entre 1/3 e 1/2 do produto interno bruto das respectivas economias.

Os impostos incidem na actividade económica de diversos modos e são de vários tipos. Dentre eles avulta o imposto sobre rendimento pessoal dos contribuintes, designado entre nós por IRS.

É natural, é correcto, que quem tenha maiores rendimentos pague mais impostos. Aceita-se mesmo como razoável que quem tenha mais pague uma maior proporção dos seus rendimentos em impostos, que entre nós, como se sabe, chega mesmo aos 40%.

Para o estado a unidade económica básica é a família. Esta tem receitas, os salários dos cônjuges, rendimentos imobiliários, pensões, etc. E é sobre o somatório das receitas de cada família que vai incidir o IRS.

Serão as famílias todas iguais, terão o mesmo nível de despesas? Sabemos que não, que há famílias maiores e menores, com rendimentos elevados ou baixos, com estruturas de despesa muito diversas; mas sabemos mais, sabemos que para o estado o que interessa é o montante global das receitas da família pois é esse quantitativo   com pequenas correcções, admite-se - que define o escalão do IRS.

Concretizando, imaginemos duas famílias, em ambas os dois cônjuges trabalham em profissões bem remuneradas e tem uma receita mensal líquida de 1 000 contos.

A família A não tem filhos, vive num T1 novo, de luxo, em Telheiras, tem dois excelentes  carros, passa regularmente férias nas Seychelles e, naturalmente, só veste roupa de marca. Vivem bem, são ricos dir-se-à, e pagam pelo escalão máximo do IRS.

A família B, contudo, tem 8 filhos, entre os 23 e os 9 anos de idade. Os três mais velhos andam na universidade, os quatro seguintes estão no liceu, em vários graus de ensino, e o mais novo está ainda na escola primária. E não me digam que já não há famílias destas pois conheço muitas famílias numerosas, até com maior número de filhos! Será que a família B também se poderá considerar rica?

É que vive num T5 antigo na linha de Cascais, tem dois carros, uma carrinha grande mas velha e um carrito pequeno comprado em segunda mão, as roupas passam dos maiores para os mais pequenos e quanto a férias … ficam em casa, que viver na linha até permite ir à praia, ao guincho. O orçamento familiar tem que ser gerido com grande parcimónia e imaginação, mas...de forma semelhante à família A pagam pelo escalão máximo do IRS!

Haverá equidade nesta situação? Na realidade, na família A cada membro tem "disponíveis" 500 contos (1000: 2) enquanto que na família B a receita global se distribui pelos 10 membros. E repare-se no exemplo dado, três são universitários, já adultos portanto, e os outros cinco terão idades compreendidas entre os 17 e os 9 anos de idade. Não defendemos, naturalmente, uma divisão por 10; mas é possível definir, de acordo com a idade, um coeficiente que permitirá calcular o  rendimento unitário "disponível" na família B. Por hipótese, para ilustrar a situação atribuímos 0.75 aos alunos universitários; aos que estão no liceu, 0.5 aos com mais de 15 anos, 0.35 aos com menos de 15 anos, e 0.25 aos que estão na primária. Pelos nossos cálculos chegamos a um factor de 6.2, que dividido por 1000 daria 161 contos, aquilo que existe "disponível" por membro na família B.

Será razoável que as famílias A e B, com capitações de rendimento tão diferentes paguem na prática impostos directos semelhantes?

E recordemos, que vale sempre a pena, que serão os filhos da família B quem no futuro assegurará os tratamentos médicos e outros serviços que os A`s, então já velhotes, precisarão, e ainda quem, através dos seus descontos para a segurança social lhes financiarão as respectivas pensões.

E é importante assinalar que nas sociedades rurais do passado os filhos eram uma fonte de receita, ajudando desde muito novos nos trabalhos agrícolas e contribuindo positivamente para a economia familiar. Na sociedade urbana de hoje, especialmente nas classes médias que legitimamente pretendem dar um curso superior aos seus filhos, estes são uma fonte de despesa, pesando na economia familiar até entrarem no mercado do trabalho; e a propósito, nos tempos de hoje, o trabalho de menores é crime!

As famílias numerosas prestam relevantes serviços à sociedade, um dos quais é contribuírem para evitar uma maior descida na taxa de natalidade. Têm direito, naturalmente, a um apoio dessa mesma sociedade para criarem e educarem os seus filhos. E têm ainda, em nossa opinião, o direito a não serem penalizadas, a serem tratadas em termos fiscais com justiça e equidade!

    A.F.

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