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A morte chega
inesperadamente
Sob o rescaldo da morte inesperada do meu
marido a 22 de Julho passado, quando contava apenas 35 anos, é-me
difícil exprimir todo o emaranhado de sentimentos e impressões que
dia-após-dia vou tentando decifrar confiando que Deus não brinca com a
vida das pessoas e que Ele sabe melhor.
Difícil já não será constatar que o estilo da vida que levava em nada
contribuiu para que tivesse um dia-a-dia calmo e regrado. Bem pelo
contrário, se não vejamos: como manager de auditoria financeira que
era há 10 anos, numa multinacional, trabalhava em média 11 a 12 horas
por dia.
Em suma, víamo-lo sempre de fugida. Estivemos casados 8 anos e tivemos
4 filhos. Nos 5 primeiros anos, viajou frequentemente para o
continente africano. Após isto, deu-se a fusão das 2 maiores
multinacionais de auditoria e consultadoria. Estava a fazer uma
carreira brilhante, não se apercebendo, porém, a devido tempo, que não
só se prejudicava a si próprio, desleixando a sua saúde como fazia
embarcar toda a família no stress em que andava viciado. Que se note
que a nossa única prioridade era assegurar a educação dos nossos
filhos.
Creio que ocorria a nós os dois, pensar que "algo" podia acontecer, se
bem que nunca acreditando que pudesse ser definitivo. Algumas vezes
lhe terei dito, até, que precisava de um susto para se convencer que,
de facto, havia que procurar outra solução. Só que o susto não se
deixou adivinhar. Veio de rompante.
Não hesito em classificar o sucedido como "acidente de trabalho" ou
melhor "acidente por excesso de trabalho", e, consequentemente, não
hesitaria em apurar responsabilidades se estivéssemos num país onde a
justiça funcionasse.
Como assim não acontece, é, com todo o desplante, que ouvi dizer por
parte das chefias, que "se isto não acontecesse nesta, aconteceria
noutra empresa" e ainda, que as pessoas são livres e imprimem o ritmo
que querem dar ao seu trabalho. Acontece que há formas subtis de
conseguir parecer que assim e ao mesmo tempo exigir o máximo
rendimento para a empresa.
Pretende-se fazer vender a ideia da auto-gestão da carreira de
sucesso, lavando daí as mãos se alguma coisa corre mal. Parece-me que
estamos perante um cenário hipócrita e leviano. Existe uma chantagem
emocional, que é feita subtilmente, de dedicação total empresa, sob
pena de não ter o prémio no final do ano ou ficar rotulado como
incompetente. Há uma fragilidade de parte a parte: a entidade
empregadora porque propõe trabalhos àqueles a quem já muito é exigido,
e estes, como vão correspondendo, são incapazes de dizer que não
entramos num processo de concorrência famí1ia-empresa. Eu pergunto:
mas desde quando que as pessoas têm de se privar de ter tempo para a
família para poderem ascender profissionalmente? Julguei que a
escravatura tivesse sido abolida no séc. XIX! Parece-me que o problema
se prende com valores éticos. Não sou contra a concorrência. Sou
contra a concorrência a qualquer preço. E, repito, acho de uma
leviandade atroz pressupor que está, apenas, nas mãos do empregado
definir as regras do jogo. Tanto mais quando se paga com a própria
vida. É natural que uma pessoa aspire a uma ascensão profissional, o
que não é natural são as condições propostas para que essa ascensão
seja possível e os "timings" que são exigidos para que ela aconteça.
Alguma coisa tem, forçosamente que ficar para trás e essa a família.
Família essa que mal começava a andar e que ficou mutilada.
Não tenhamos dúvidas: os casos não são, nem esporádicos, nem
isolados. Um facto já comprovado pela medicina no trabalho que os
casos de mortes relacionados com ataques cardíacos atingem, cada vez
mais, pessoas na casa dos trinta e que se verifica tanto em homens
como em mulheres.
Há ainda outra espécie de morte na família. É aquela que se dá por
divórcio do casal e, neste caso, não hesito em dizer que eles abundam.
Vivemos numa sociedade em que a família vive desmembrada, e isso não
acontece por acaso. O sentimento de mãe solteira, estando casada, ou
de pai solteiro estando casado, é o comum. E os casais que se mantêm
unidos, apesar de tudo, têm de ser heróicos.
É que o cansaço vai minando qualquer esforço de mudança e, sem nos
apercebermos, é tentador rendermo-nos àquilo que nunca desejávamos.
Deixo este testemunho para que quem o ler possa reflectir sobre a sua
vida antes que seja tarde demais.
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